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SAMBA CIDADE E SOCIEDADE
Projeto de extensão universitária da Universidade Federal de Goiás (UFG)

ASSISTA À APRESENTAÇÃO DO PROJETO


O grupo surgiu em 2020, como um projeto de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás - Campus Cidade de Goiás. Uma das principais inspirações para a criação do grupo foi o Núcleo Cupinzeiro, projeto de extensão do curso de Música da Unicamp (Campinas, SP) que organiza Rodas de Samba com o objetivo de divulgar, pesquisar e refletir criticamente a respeito da música popular brasileira. Outras fontes que alimentaram a criação do grupo foram: uma disciplina ministrada no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFG - Campus Goiás, chamada Arquitetura, Cidade e Sociedade, que se utiliza da música como ferramenta pedagógica em suas aulas; e o projeto de extensão “Audição - a música ensina”, também desenvolvido na UFG - Campus Goiás, que promovia audições musicais sobre os mais variados temas.

O grupo Samba, Cidade e Sociedade pretende utilizar o samba, executado por membros da comunidade acadêmica e músicos da Cidade de Goiás, para gerar reflexões críticas a respeito de questões sociais urbanas e arquitetônicas.


 

Proposta artística

Fazer samba não é contar piada...

(Baden Powell e Vinícius de Moraes. Samba da Benção, 1967.)

As cidades, com maior ênfase na periferia do capitalismo, são contraditórias. São o palco do mais elevado grau de sociabilidade, reunião do diverso, expressão cultural coletiva. Por outro lado, são também o palco da mais acentuada segregação, destruição dos recursos naturais, violência, exploração e alienação. Essas contradições inquietam, incomodam e suscitam reflexões críticas em diversos níveis, entre eles o acadêmico e o poético popular.
 

O projeto pretende conectar essas duas formas de expressão das questões urbanas, arquitetônicas e sociais a partir do samba. Pretende-se selecionar e executar um conjunto de sambas que tratam de temas relacionados à segregação urbana, construção civil, meio ambiente, memória, entre outros. Trata-se de um grupo musical de samba cujo repertório é selecionado de modo a encadear uma série de problematizações a respeito do espaço urbano e sua produção.

 

As apresentações do grupo conjugam a execução das músicas com comentários que contextualizam e realçam algumas das reflexões presentes nas letras das músicas. A quantidade e extensão desses comentários pode variar de acordo com o público alvo. Há um intenso processo de troca que permeia não somente o grupo em si como também sua relação com o público.

 

Internamente ao grupo, enquanto docentes e discentes aprendem música com os músicos, os músicos aprendem com os acadêmicos alguns dos principais dilemas da arquitetura e do urbanismo sob uma perspectiva crítica. O mesmo ocorre na relação com o público: uma apresentação em uma mostra de cinema feminista, por exemplo, sugere maior ênfase nas canções que abordam a presença do corpo feminino na cidade, sua contradições e desafios, ao passo que uma apresentação em um evento com temática étnico-racial sugere maior ênfase nas canções que problematizam o racismo e suas expressões urbanas e arquitetônicas.

 

A proposta artística do grupo Samba, Cidade e Sociedade caminha, assim, na intersecção da arte com a educação.​​

Pai do prazer, filho da dor

Embora imbricada em processos complexos, que frequentemente permanecem velados ou latentes no cotidiano, a dimensão política inerente à vida em sociedade vem à tona em termos estéticos ao se apresentar por meio de suas implicações partilhadas no plano sensível. Essa é a posição de Jacques Rancière, para quem a política não pode prescindir de sua dimensão estética, cuja partilha permite superar as ordens preestabelecidas das identidades, das funções e dos lugares, oferecendo-se como potência para subvertê-las e rearranjá-las (RANCIÈRE, 2005).

 

Se, ao longo da história e em suas mais diversas expressões, a arte se coloca não apenas como meio de representação do imaginário urbano, mas também como elemento partícipe da vida nas cidades, imiscuindo-se nas atmosferas ou na aura do meio urbano (BENJAMIN, 2006), não nos parece menos importante a participação de temas relativos à vida urbana e à sociedade no cancioneiro popular brasileiro e, com especial interesse, no samba. Certos lugares nos fazem lembrar, com frequência, de certas canções. Certas canções, por sua vez, nos remetem a lugares ou situações que vivenciamos, de fato, ou que, por permanecerem tão vivas em nosso imaginário, nos permitem acreditar que as vivemos – nós nos apropriamos delas.

 

Talvez seja essa a condição da boa poesia, que traz ao leitor a sensação ou o desejo de tê-la escrito: copertencente aos versos lidos e sensivelmente partilhados, o leitor se sente coautor (BACHELARD, 1998). A ressonância entre poeta e leitor dada na poesia – ou, mais especificamente, no instante da leitura ou da revelação poética (PAZ, 2012) – não nos parece estranha à identificação que podemos sentir ao ouvir ou cantarolar certa canção. Afora os aspectos rítmicos e melódicos, que constituem pelo menos metade da matéria poética de uma canção, seus versos podem ecoar fundo em nós, causando, para além de uma predileção, do simples gostar ou não, um verdadeiro sentimento de identidade e partilha.

 

A forma – ritmo, melodia, vocabulário, rimas – e o conteúdo de sambas que abordem temas atinentes à cidade e à sociedade constituem a matéria da qual se nutre este projeto de extensão. Com o intuito de abordar e de favorecer o debate sobre esses temas, propomos a pesquisa, a seleção, o estudo aprofundado e a interpretação conjunta de sambas compostos em diferentes contextos urbanos, por diferentes compositores e em diferentes épocas, enquanto atividades centrais a serem desenvolvidas. Se o samba nasceu lá na Bahia¹ ou se é natural do Rio de Janeiro² se torna uma questão de pouca (ou nenhuma) relevância quando o compreendemos como o grande poder transformador³, forjado a partir do cotidiano de pessoas que foram (e continuam sendo) desumanizadas por um sistema perverso.

 

Desde seu surgimento a partir das reuniões de descendentes de pessoas escravizadas, o ritmo foi marginalizado, duramente perseguido, na esquina, no botequim e no terreiro⁴, e mesmo proibido, tanto por sua estética negra como por ser uma cultura da classe trabalhadora. Para essa grande parcela pobre da sociedade, fazer samba não é contar piada⁵ é, na realidade, uma forma de expressar seu modo de vida e sua visão de mundo, se tornando uma forma de oração⁶. Considerando que pobre não é um, pobre é mais de cem, muito mais de mil, mais de um milhão⁷, podemos ter uma noção das vozes que entoam sambas com os quais se identificam, cantando suas vidas, suas conquistas, suas dificuldades, suas memórias e as esperanças de uma outra realidade.

Os sambas ajudam a problematizar o papel do arquiteto-urbanista na sociedade. A arquitetura e o urbanismo ainda estão muito distantes das demandas populares. Acessar esse serviço como um serviço público, já que sem planta, não se pode construir⁸, é uma demanda antiga de profissionais e movimentos sociais. Ambos, juntos, formam o único sujeito coletivo capaz de produzir outra cidade, mais democrática. O projeto aqui apresentado pretende contribuir com essa articulação.

[1] Baden Powell e Vinícius de Moraes – Samba da Benção – 1967

[2] Zé Keti – A voz do morro – 1952

[3] Caetano Veloso - Desde que o samba é samba - 1993

[4] Nelson Sargento - Agoniza mas não morre - 1979

[5] Baden Powell e Vinícius de Moraes – Samba da Benção – 1967

[6] Idem 5.

[7] Zé Keti e Hermínio Bello de Carvalho – Cicatriz - 1965

[8] Adoniran Barbosa - Abrigo de vagabundos - 1959

O grande poder transformador

Encontrar esse cotidiano cantado na materialização da sociedade em seu ambiente construído implica reconhecer a dialética entre as experiências na cidade e a música, mais especificamente o samba. Para isso, iremos extrapolar as ideias de Paola Berenstein Jacques (2003) que relaciona a produção do artista plástico Hélio Oiticica com a sua vivência por um período no Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro.

 

O samba, por ser também uma expressão popular periférica, narra - geralmente em primeira pessoa - o ofício daqueles que desde o período colonial construíram a cidade com suas próprias mãos. Produzem, assim não somente uma crítica àquele que é um dos trabalhos que mais mutila trabalhadores, a construção civil, como também uma estética do produtor, como defendem Sérgio Ferro e György Lukács, em contraposição à estética da passividade perceptiva. Segundo ela, praça que nasceu do ideal e braço escravo, é praça do povo⁹ . Há recusa a um trabalho idiotizado no canteiros de obras. Se for pra carregar pedra, não adianta, eu não vou lá¹⁰.

 

O samba quer saber quantas vidas cortadas sustentam palácios. Quantas pernas, quantos braços servem de argamassa? ¹¹. E quer para o produtor o produto do trabalho, para deixar de ser como a agulha, que costura e fica nua¹². Reconhecer essa relação dialética nos leva a desvelar os processos de produção do espaço urbano. Em O Direito à Cidade (2001), Henri Lefebvre descreve a imbricada combinação entre os processos de urbanização e industrialização e nos faz compreender porque o morro não tem vez ¹³ e também o fato de que muitos não têm onde morar ¹⁴.

 

Esta compreensão global do rebatimento da sociedade no território nos leva a compreender a evolução das políticas habitacionais desde o barracão de zinco ¹⁵, procurando a relação entre a modernidade e a moradia que nos é descrita por Lilian Fessler Vaz (2002) e Nabil Bonduki (2004). Conforme esses dois autores, as políticas habitacionais se mostraram ineficientes para darem resposta a questão da habitação: se por um lado a cidade se espraiou e segregou socialmente as pessoas, levando-as a não poderem perder o trem das onze[ ¹⁶ por morarem em periferias longínquas, por outro muitos realizaram processos de resistência, possuindo uma forte opinião ¹⁷ para permanecerem em seus locais de moradia.

 

Mesmo em condições não ideais de habitação e de vida, a memória coletiva e afetiva de seus moradores nos leva a reflexão sobre uma possível cartografia sentimental (ROLNIK, 2011) a partir das músicas que nos levam a uma outra qualificações de lugares marginalizados, que passam a ser locais onde ninguém chora e não há tristeza ¹⁸, já que nossos barracos são castelos, em nossa imaginação ¹⁹, esses lugares passam a ser reconhecidos por nomes doces de dizer ²⁰. A produção e o acesso à cultura e ao lazer também são questionados (CERTEAU, 2012) quando um cidadão fica de fora escutando a gargalhada ²¹ do circo. E mais grave, quando a própria expressão cultural popular, o próprio samba, é capturado pela fidalguia do salão ²², forçando o mesmo cidadão a sambar ao lado sozinho²³.

Para nos auxiliar nessa reflexão, recorremos à fenomenologia de Gaston Bachelard em A Poética do Espaço (1998). O autor nos mostra a relação da criação de imagens de lugares com a própria subjetividade. Assim, fica mais fácil compreender como uma mesa no canto, uma sala e um jardim ²⁴ podem doer tanto. Porém, por vezes a subjetividade é atravessada por questões materiais como raça (PANTA, 2020; ROLNIK, 2007) e gênero (MUXI, 2018; RISÉRIO, 2015). Diferentes vozes e subjetividades operam em uníssono, em certos sambas, em defesa de grupos étnicos ou sociais. Assim ocorre, por exemplo, quando pessoas negras, ao serem impedidas de usarem o “elevador social”, subjetivam esse equipamento como quase um templo⁰ ²⁵.

 

Desse modo, cotejando aspectos subjetivos das canções a serem estudadas e interpretadas a questões de ordem coletiva nelas apresentadas, conduziremos reflexões acerca dos modos pelos quais as cidades brasileiras são produzidas e cotidianamente vivenciadas entre segregações e resistências, entre processos de cerceamento e conquistas sociais. O referencial teórico a ser adotado com vistas a respaldar tais reflexões, e que aqui procuramos apresentar em linhas gerais, será “acionado” à medida que os versos de cada samba (na condição de objeto empírico a ser investigado) colocarem em pauta questões atinentes à habitação, à produção do espaço urbano, aos movimentos de resistência, entre outras.

[9] Geraldo Filme - Tebas - 1974

[10] Micau e Zorba devagar (comp.) Paulinho da viola (int.) - Que trabalho é esse? - 1982

[11] Tiarajú Pablo D’Andrea - Argamassa - 2007

[12] Bezerra da Silva - Vida de operário - 1988

[13] Tom Jobim e Vinícius de Moraes – O morro não tem vez - 1962

[14] Dorival Caymmi – Eu não tenho onde morar - 1960

[15] Luís Antonio e Oldemar Magalhães – Barracão - 1953

[16] Adoniran Barbosa – Trem das onze - 1964

[17] Zé Keti – Opinião - 1964

[18] Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho – Alvorada - 1968

[19] Nelson Cavaquinho - Sempre Mangueira - 1972

[20] Arlindo Cruz - Meu Lugar - 2012

[21] Batatinha - O circo - ano?

[22] Idem 4.

[23] Batatinha - Direito de sambar - 1973

[24] Sergio Bittencourt – Naquela mesa - 1978

[25] Jorge Aragão – Identidade - 1992

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Zé Thiesen

cavaco / voz

Calango

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Letícia Ferreira

voz / percussão

Arthur Cabral

percussão / voz

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Nara Cristina

voz / percussão

Sylvio Roberto

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Dani Rodrigues

percussão / voz

Yasmin Rocha

voz / percussão

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Iara Pina 

voz / percussão

Leleka

voz / percussão

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Natan Santiago

trombone

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SAMBA CIDADE E SOCIEDADE

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